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Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa

DOENÇA DE CROHN e RETOCOLITE ULCERATIVA. O que são e as diferenças sobre essas duas doenças inflamatórias intestinais.

Texto extraído da videoaula ministrada pela Dra. Ana Hamer, no evento Maio Roxo 2020, realizado pela DII Brasil

Nós sabemos que as DII são, principalmente, duas doenças: a Doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa.  São doenças crônicas do intestino, que levam a uma inflamação crônica, são doenças de caráter autoimune e que chama atenção, os períodos de remissão e de atividade da doença.

Em geral, elas vão  comprometer pacientes de várias idades, mas o acometimento é maior, especialmente, de jovens na fase produtiva, jovens que podem ser do sexo feminino ou sexo masculino, mas também podem comprometer pacientes depois dos 50 e 60 anos. 

É uma inflamação crônica com períodos de exacerbação, em que a doença se manifesta com muita sintomatologia. Avaliando exames, como a colonoscopia, por exemplo, observamos a presença de úlceras, e quando no intestino delgado, os exames de imagem mostram a presença de inflamação.

Mas também há episódios de remissão em que a doença está quieta, e o paciente está bem, sem queixas e muitas vezes, o que é melhor ainda, a remissão dos exames, uma remissão endoscópica, uma remissão histológica, ou seja, quando o paciente faz os exames e está tudo cicatrizado.

Diferença entre Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa

Falando sobre as duas diferenças entre elas: a Doença de Crohn é assimétrica, ou seja, é uma doença que terá locais de inflamação da mucosa, alternados e intercalados com mucosas sadias e novamente mucosa com inflamação, intercalado com mucosa sadia.

Na Retocolite, a doença não é assimétrica, é de forma contínua. Então, se o paciente tem doença no reto e, digamos que o paciente tem uma pancolite, ele tem uma doença em todo o colo, que irá comprometer o reto, o sigmoide, o descendente, o transverso, o ascendente e o seco, ou seja, todo o intestino de forma contínua. Ele não terá áreas inflamadas intercaladas com áreas sem inflamação, como se tem na Doença de Crohn.

Outra característica super importante é que a Doença de Crohn é transmural, ou seja, é uma doença que compromete toda a parede do intestino, ou seja, a mucosa, a submucosa, a muscular própria e a serosa. Por isso que na Doença de Crohn, o paciente pode ter a presença de fístulas, por exemplo.

Na Retocolite, ela já não é transmural, ela é mais superficial, geralmente ela só compromete a mucosa, e algumas vezes, um pouco mais profunda, mas o habitual é só o comprometimento da mucosa.

Para entender melhor, imaginemos uma parede entre um quarto e um closet. Como eu vou chegar no closet? Seria como pensar que essa parede fosse a parede intestinal. Na Doença de Crohn pode ocorrer exatamente isso, comprometer toda a parede do intestino, no caso simbólico no closet, atravessando a parede, que seria, na Doença de Crohn, a presença de uma fístula.

A inflamação sai da parte mais superficial da mucosa, atravessa a submucosa, a muscular, e chega na serosa e assim, atinge um outro órgão. Formando assim, uma fístula para pele, por exemplo, ou para a vagina, enfim, esta é a noção de doença transmural. A Doença de Crohn pode acometer desde a boca até o ânus. 

Já a Retocolite Ulcerativa só vai comprometer o intestino grosso, só o colo, então é outra diferença. 

A Doença de Crohn, embora possa ocorrer desde a boca até o ânus, ela tem uma predileção pela região do íleo, que é uma parte do intestino delgado e do cólon, que é o intestino grosso. Então, embora possa ocorrer da boca até o ânus, ela tem essa predileção pela região íleo colônica. 

A Doença de Crohn também tem uma outra característica muito importante, que são as formas de manifestação. 

Uma delas, são as ulcerações na mucosa do intestino, um estreitamento da luz do intestino. Geralmente isso ocorre em pacientes que já têm uma estenose, que é uma diminuição do diâmetro do intestino. Como a Doença de Crohn é transmural, pode levar ao aparecimento de fístulas, que podem ocorrer fístulas êntero cutâneas. Podemos ter um paciente com uma Doença de Crohn perianal, com fístulas na região perianal. Isso ocorre na Doença de Crohn.

Na Retocolite não tem a possibilidade de fístulas. A Retocolite pode ter uma mucosa bem mais friável, que sangra facilmente, mesmo quando se passa o aparelho de retossigmoidoscopia ou colonoscopia, poderá ter um sangramento fácil na mucosa. Ela é mais superficial, mas ela atinge a vascularização da mucosa e sangra, de forma mais fácil.

Como diagnosticar as Doenças Inflamatórias Intestinais?

Infelizmente não existe um único exame que consiga estabelecer o diagnóstico da Retocolite ou mesmo da Doença de Crohn. Por isso, associamos todas essas informações, aos dados clínicos, laboratoriais, endoscópicos, anatomopatológicos e radiológicos.

E por que isso? Para ajudar nesse diagnóstico, para conseguirmos dar um diagnóstico correto. Isso é muito importante para fazer um diagnóstico diferencial, porque às vezes pode ser uma doença infecciosa do intestino. É importante considerar e levar em consideração todos os dados.

E a outra coisa também é que, quando conseguimos dar o diagnóstico correto, adequado, e se possível, precoce, e nós conseguimos começar o tratamento também de uma forma mais precoce, isso muda a história, a evolução da doença do paciente. 

Dentre os dados clínicos, é importante abordarmos bastante sobre as evacuações que, na maioria das vezes, o paciente terá diarreia, mas às vezes pode ter evacuações difíceis, como quando ele tem estenose. Verificar essa diarreia, se tem sangue, se tem muco, se tem pus, quantas vezes por dia, há quanto tempo que começou tudo é importante.

Se tem algum sinal de alarme, por exemplo, se ele acorda à noite para ir ao banheiro para evacuar; se tem febre; quanto tempo o paciente tem essa febre; se está emagrecendo; se perdeu mais de 5% do peso corporal, é um sinal de alarme. Se tem presença de fístula, como às vezes vemos na Doença de Crohn.

As manifestações fora do intestino, isso acontece tanto na Doença de Crohn quanto na Retocolite. Deve-se observar também os antecedentes pessoais patológicos. Então, poderia ser um paciente que tem alguma alteração, como alteração do metabolismo do cálcio, uma osteopenia, uma osteoporose.

Muitas vezes nem sabe ainda que tem a doença inflamatória, mas ela pode estar associada ou é um paciente que faz uso de anti-inflamatório, e esse, desencadeou um quadro de diarreia, porque o anti-inflamatório piora. Assim, procuramos sempre orientar os nossos pacientes para que não façam uso de anti-inflamatórios de forma inadvertida.

Observa-se também os antecedentes familiares, especialmente familiares de primeiro grau. Se tem o pai, ou a mãe, ou o irmão com Doença de Crohn ou Retocolite, essa pessoa tem mais chance de ter. Não é que ela vá ter, mas a chance aumenta. Então é bom avaliar isso também. 

Com relação à Doença de Crohn, é muito importante a dor abdominal. Muitos pacientes apresentam dor abdominal. Os 2 principais sintomas são dor abdominal e diarreia. É preciso saber se a diarreia tem presença de sangue, muco, pus.

Também há quanto tempo ela se apresenta e se o paciente tem febre. Se positivo, é importante saber aferir essa febre. Se é uma febre baixa ou alta. Às vezes tem uma febre baixa, mas é uma febre persistente. É importante investigar se aconteceu perda de peso, quantos quilos a pessoa perdeu e em quanto tempo essa perda aconteceu.

É preciso avaliar também a presença de fístulas. Na Doença de Crohn, isso pode acontecer por ela ser transmural, assim as fístulas podem ser na região perianal podem ser para a pele, podem ser uma fístula para vagina, podem ser em diversas localizações. Isso dependerá de onde ela começou e o trajeto que ela faz, até onde ela vai.

Alguns pacientes vão ter déficit de crescimento. São geralmente pacientes crianças e adolescentes que não cresceram ou então, que na idade adulta, vemos aquele adulto baixinho como a baixa estatura, com baixo peso, que pode estar relacionado a isso. Então, na criança, é bom iniciar a investigação logo, porque assim se consegue começar o tratamento adequado, e com isso, o paciente pode ganhar peso e crescer, isso é muito importante. 

Alguns podem ter anemia. As lesões geralmente levam a ulcerações, a anemia pode levar à fadiga, alguns podem ter massa abdominal, porque inflama, formando uma fibrose, pode formar uma massa. É possível palpar massa abdominal.

Alguns pacientes podem ter sinais de suboclusão (são aquelas pessoas que estavam até com diarreia e depois começam a ter um intestino preso e começam a ter dor abdominal). Pode acontecer da barriga ficar dolorida, inchada e distendida até que aconteça uma obstrução e o paciente precisa ser operado em caráter de urgência, vindo a descobrir a doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa já no bloco cirúrgico. Ou mesmo, se é feito o diagnóstico e se descobriu uma estenose ou em algum período da evolução da doença, ele vai precisar operar também. 

É sempre muito importante falar que a Doença de Crohn pode comprometer a região perianal e é chamado de Doença de Crohn Perianal. Nesses casos é fundamental que o paciente sempre faça uma inspeção anal, olhar a região do ânus, fazer o toque retal, e se realmente observar a presença de fístulas, fissuras, ou alguma alteração nessa região, contacte o proctologista da sua confiança para que ele faça o exame proctológico sob anestesia.

Exames para identificar Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa

Este é um exame realizado no centro cirúrgico com anestesista, em que o proctologista abordará essas fístulas, fazendo a limpeza delas para que o tratamento seja adequado, porque não adianta tomar medicamento se não é feita essa avaliação de forma adequada e conjunta. 

Na Retocolite Ulcerativa, o que chama a atenção é a diarreia com sangue. Nós vimos que a mucosa tem uma friabilidade, um sangramento fácil. Muitas vezes o paciente relata que ele apresenta diarreia com sangue, ou mesmo só a eliminação de sangue. Às vezes, pode ter também diarreia com pus, com muco tenesmo, muitas vezes pelo próprio comprometimento do reto.

Assim, o paciente tem aquele desconforto na hora de evacuar, aquela necessidade de evacuar muito grande com desconforto, com urgência, pode perder peso, e também, pode ter dor abdominal e febre.

As 2 doenças, Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa podem ter manifestações fora do intestino, chamadas manifestações extra intestinais, e essas manifestações podem ser osteoarticulares. Às vezes o paciente vai dizer ao médico que ele tem dor articular, às vezes relatará que está inflamado, inchado. 

O paciente pode ter alterações dermatológicas, o pioderma gangrenoso e o eritema nodoso. São lesões acastanhadas e que doem. O paciente pode ter ainda, alterações oftalmológicas, chamada de síndrome do olho vermelho.

O médico costuma perguntar ao paciente, se em algum momento o olho ficou vermelho, se doeu, porque várias alterações podem levar a inflamações. Também tem a parte do fígado, hepatobiliar. O paciente fica ictérico, amarelado, e tem alguma alteração chamada colangite esclerosante primária, que nesse caso é mais comum na Retocolite Ulcerativa do que na Doença de Crohn. O médico precisa investigar, fazer um outro exame de imagem para essa parte, fazer avaliação de exames relacionados para o fígado.

Os exames laboratoriais também fazem parte dessa avaliação de diagnóstico, como hemograma, porque o paciente pode ter anemia, pode ter uma plaqueta alta por causa da inflamação. O perfil de ferro, muitas vezes é acompanhado também, e em geral os pacientes têm uma ferritina alta por conta da inflamação, embora alguns possam ter baixa porque também há perda de ferro.

Mas, em geral, por conta daquele período em que a doença está em atividade, a ferritina é alta. Provas de atividade inflamatória, a proteína C reativa, que é o PCR, a velocidade de sedimentação, que é o VHS, são provas inflamatórias que são inespecíficas. Esses índices podem ter aumentado num paciente, por exemplo, por causa de uma amidalite, uma pneumonia, não só porque ele tem inflamação no intestino, mas já vão nos dar alguns dados.

20% dos pacientes podem não ter alteração no PCR. A calprotectina fecal já é um exame melhor, porque ele é mais específico do intestino. Este exame vai nos mostrar que, aquela inflamação é do intestino, diferente dos outros, que são inespecíficos.

Além de mostrar a inflamação, ele pode ajudar no diagnóstico diferencial, por exemplo, da síndrome do intestino irritável. Assim, ele pode mensurar antes mesmo de uma colonoscopia, que tem alterações do seu exame. Se tiver uma calprotectina fecal alta, o exame já pode mostrar que a doença vai entrar em atividade neste paciente, se ele ainda não tiver já demonstrando essa atividade inflamatória no intestino.

Com relação aos achados endoscópicos, em geral, realizamos uma colonoscopia, que é um exame que avalia o intestino grosso e a parte final do intestino delgado. Temos casos de pacientes com grandes ulcerações. São mais profundas na Doença de Crohn. 

A válvula ileocecal também poderá estar inflamada, poderá ter uma úlcera também, do tipo aftoide, e úlceras grandes e profundas na Doença de Crohn. Quando há uma inflamação mais crônica e importante no intestino, ele pode ter um aspecto de pedras de calçamento. Esse aspecto é chamado de “Cobblestone”.

Na Retocolite é importante o exame de colonoscopia e às vezes, se faz também a retossigmoidoscopia, mas lembrando que na retossigmoidoscopia só é possível avaliar o reto e o sigmoide.

Em cerca de 10% dos casos, não conseguimos realmente diferenciar entre Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa, mesmo com toda essa avaliação clínica, laboratorial, endoscópica. Em cima desses resultados, colhe-se biopsia, através da colonoscopia, e essa biópsia é encaminhada ao patologista para avaliar. 

Então é aqui que conseguimos ver um granuloma, não casuoso, que esse é bem característico da Doença de Crohn, mas o médico não espera essa alteração para dar o diagnóstico, porque ela ocorre em menos de 20% dos casos. Mas é um exame a mais para ajudar. 

Na Retocolite, o que chama mais atenção, é a presença de abscessos em cripta. A criptite é a inflamação dessas criptas. Também não esperamos que ocorra em todos os pacientes, mas é um dado a mais, não ocorre só nessa doença, mas juntando com os outros exames, pode ajudar no diagnóstico. 

Os exames radiológicos, na Doença de Crohn, o médico pode avaliar a enterografia por tomografia, que é chamada de enterotomografia ou enterorressonância. São exames que avaliam melhor a parede da mucosa intestinal, mostrando espessamento, inflamação, às vezes, estenoses, fístulas, também podem estar presentes. 

Na Doença de Crohn deve ser feita avaliação do intestino delgado, porque a colonoscopia vai só até a região do íleo terminal, até uns 10 cm do íleo. Esse exame vai mostrar todo delgado, porque às vezes, o paciente com Doença de Crohn pode também ter inflamação no intestino delgado. 

Para a Retocolite, os exames radiológicos não são necessários, apenas quando o paciente está obstruído. Neste caso, o exame é um raio x do abdômen. E aqui, na Retocolite Ulcerativa quase não usamos exames radiológicos, mas em casos mais graves, que pensamos num megacólon, uma distinção da alça intestinal. Ela fica bem aumentada de tamanho. É um caso grave de Retocolite. Neste caso, fazemos um raio x de abdômen, mas habitualmente só colonoscopia mesmo.

Transcrição do vídeo por Heloísa Rampazzo, do núcleo de voluntariado da DII Brasil