A Importância dos Micronutrientes para as Pessoas com Doenças Inflamatórias Intestinais
Sou nutricionista e inicialmente gostaria de agradecer mais uma vez à DII Brasil e as associações estaduais por compartilhar novamente alguns pontos relevantes que precisam ser destacados: a importância dos micronutrientes para as pessoas com doenças inflamatórias intestinais.
Este tema é importante porque existe uma prevalência alta dessas deficiências em pessoas com doenças inflamatórias intestinais, seja na fase ativa ou na fase de remissão, entretanto, elas são mais frequentes em pessoas com a Doença de Crohn.
Isso acontece porque justamente na Doença de Crohn, a inflamação pode ser localizada no intestino delgado seja no duodeno, jejum ou íleo e esses três compartimentos denominamos como intestino delgado, que é o principal local de digestão e absorção dos nutrientes e além do processo inflamatório, às vezes é necessário retirar uma parte desse
intestino e acaba comprometendo tanto a digestão quanto a absorção de micronutrientes.
Além desses fatores existem outros que desencadeiam essas deficiências, esse risco aumentado, principalmente na Doença de Crohn, mas não quer dizer que na Retocolite Ulcerativa não poderá acontecer. Vamos aqui explicar algumas causas mais importantes.
A primeira delas é a redução da ingestão alimentar, que é muito frequente, muito comum, nas doenças inflamatórias intestinais. Os estudos trazem que, em torno de 80% dos
pacientes com doenças inflamatórias intestinais, fazem algum tipo de restrição alimentar, que pode ser necessária, mas que muitas vezes são restrições desnecessárias. Muitas vezes, o paciente tem medo de se alimentar por conta dos sintomas intestinais, aquele medo de comer alguma coisa e realmente exacerbar a diarreia ou a dor abdominal ou a distensão, ocasionado pelo excesso de gases, por exemplo, então são situações muito comuns que vivencio diariamente nos meus atendimentos.
Além da redução do consumo alimentar, temos também a questão da má absorção nutricional. Se existir algum processo inflamatório, como é comum, na Doença de Crohn, no intestino delgado, isso compromete a absorção de vários nutrientes, não só os micro, mas também os macronutrientes, como proteínas, carboidratos, e a questão da gordura. Gostaria de destacar esta questão. Se por algum motivo, por exemplo, existir algum processo inflamatório no íleo, que é o local onde ocorre principalmente a absorção de gorduras, vitaminas lipossolúveis, que são as vitaminas A, D, E e K, uma importante absorção de sais biliares, que são componentes químicos liberados para que ocorra a digestão e absorção da gordura. Então, se não houver absorção desses sais biliares, o processo de digestão e a absorção serão comprometidos.
Em último caso, como última importância dessa localização do íleo, temos a absorção da vitamina B12, que ocorre exatamente no íleo terminal. Então, são fatores importantes que, se por acaso, houver algum processo inflamatório ou se o paciente tiver efetuado alguma retirada importante do íleo, irá comprometer a absorção de todos esses nutrientes, levando possivelmente a uma esteatorréia (são fezes amolecidas com alta concentração de gordura). Além disso, se as fezes tiverem a presença de sangue oculto ou visível, o paciente terá uma deficiência de ferro, por exemplo, ocasionando complicações que vou trazer posteriormente.
Além da redução da ingestão alimentar, da má absorção, a diarreia também favorece a perda de alguns nutrientes como zinco, magnésio e outros, e a questão da interação droga-nutriente.
Existem alguns medicamentos que acabam interagindo com alguns nutrientes ou levam ao desenvolvimento de alguns sintomas, e consequentemente, compromete a ingestão alimentar, como por exemplo, os corticosteróides e os corticoides, que são medicamentos que acabam influenciando negativamente na absorção de cálcio, fósforo e zinco, por exemplo, mais intensamente do cálcio e do fósforo, justamente porque ele acaba impedindo e criando a resistência na ação da vitamina D, porque ela faz aumentar essa absorção de cálcio e fósforo a nível intestinal, e além disso, corticoides acabam liberando maior concentração de cálcio pela urina.
Além dos corticoides temos ainda a sulfassalazina e o metotrexato, que são dois medicamentos que interferem na absorção do ácido fólico, ou seja, eles competem no mesmo local de absorção, então, toda vez que o paciente está usando esses medicamentos o médico sempre prescreve suplementação de ácido fólico que deve ser utilizado via oral.
Além desses medicamentos, temos azatioprina que pode trazer alguns efeitos colaterais como náuseas, vômitos, e pode também ter uma diarreia associada ao uso desse medicamento. Neste caso, o médico gastroenterologista em conjunto com o paciente, avaliarão a questão para verificar a necessidade de suspender ou de manter a medicação.
Com o processo inflamatório e com a doença em atividade, existe o gasto energético aumentado, precisando de mais nutrientes, então é uma doença hipercatabólica na sua fase ativa e isso acaba levando a uma necessidade maior de alguns nutrientes, entre eles temos os micronutrientes. Além disso, o processo inflamatório acaba prejudicando a sensação de fome, ou seja, ele acaba reduzindo a ingestão alimentar e o apetite pela presença de algumas citocinas pró-inflamatórias. Imagine que todos esses fatores juntos e os níveis adequados de micronutrientes. Tanto o nutricionista quanto o paciente precisam ficar de olho em todas essas coisas e avaliar juntos se realmente há necessidade de fazer restrições alimentares.
Quais são as consequências disso? Qual a importância dos micronutrientes? Quais os principais micronutrientes? Quais as consequências dessas deficiências?
Os micronutrientes têm esse nome justamente porque eles estão em quantidades menores do que os macronutrientes, que são as proteínas, os carboidratos e as gorduras. Os micronutrientes são as vitaminas e os minerais, que pelo fato de estarem em menor concentração, são extremamente importantes na regulação de várias e milhares de reações enzimáticas que regulam o metabolismo de outros nutrientes, inclusive de reações imunológicas, de reações de cicatrização. Então, se por um acaso não tem níveis adequados desses nutrientes, pode comprometer várias situações, inclusive o favorecimento e o surgimento de algumas complicações.
Quais seriam os micronutrientes mais comuns para ter seus graus reduzidos no organismo de quem tem Doença de Crohn ou Retocolite Ulcerativa?
Destaco dentre as vitaminas, a D, o ácido fólico, que é a vitamina B9, e a vitamina B12 que é a cobalamina, também podemos denominar desse jeito. Além dessas vitaminas outras que podem acontecer alguma deficiência, são as vitaminas antioxidantes, vitaminas A, C e E. São nutrientes que precisamos ter uma atenção maior.
Dentre os minerais são o cálcio, ferro, zinco e selênio. Esses minerais são muito importantes, principalmente o zinco e selênio, que tem uma concentração menor no organismo. Trouxe aqui os principais micronutrientes que são mais frequentes de apresentar deficiência em portadores de doenças inflamatórias e principalmente na Doença de Crohn.
Com relação às complicações pela deficiência desses nutrientes, podemos apresentar, por exemplo, alteração no metabolismo ósseo, pode haver uma redução da massa óssea se houver algum tipo de comprometimento nos níveis séricos de vitamina D e de cálcio, principalmente a vitamina D. Por exemplo, medicamento de uso crônico de corticóide: tem situação que é indicado a suplementação, avaliada e indicada pelo médico gastroenterologista. Além da questão do corticoide, se houver uma ressecção intestinal e diarreia, o médico também verificará a possibilidade de alguma suplementação.
Temos ainda a osteopenia e osteoporose, que é um grau mais comprometido, consequente da redução da massa óssea, ocasionado por esses níveis baixos.
Outra complicação muito frequente é a anemia. Ela pode ser decorrente da deficiência, principalmente de ferro, mas em menor frequência e menor prevalência pode estar associado à deficiência de vitamina B12 e também de ácido fólico, que são nutrientes importantes no metabolismo das células vermelhas, no transporte de oxigênio pela hemoglobina no sangue até os tecidos, até os órgãos. Então, se uma pessoa tem anemia, seja por qual motivo, no caso aí focado nos micronutrientes, na deficiência desses nutrientes, isso vai interferir na qualidade de vida. A pessoa fica mais sonolenta, com menor concentração no seu dia a dia, pode ficar mais letárgica, com menos disposição, isso tudo o médico deve avaliar em conjunto com a nutricionista, a questão da alimentação, e se for necessário suplementar, e aí entra a questão da abordagem de uma equipe multidisciplinar.
Existem outras complicações que gostaria de destacar, como por exemplo, a baixa cicatrização dos tecidos. Essa questão da cicatrização é muito importante, às vezes o paciente entra em cirurgia com estado nutricional comprometido, inclusive, às vezes, não pode nem entrar na cirurgia, precisa primeiro melhorar o estado nutricional para depois fazer o procedimento cirúrgico. Mas em casos de urgência, às vezes os giros de nutrientes do paciente não estão ideais, então para o processo de cicatrização eu chamo a atenção de alguns micro, como vitamina A, C e Zinco, porque são nutrientes essenciais que precisam estar em quantidades adequadas para que seja formado aí o processo de cicatrização, com produção de colágeno e proteínas, que, se tiverem baixos, pode, comprometer o processo de cicatrização.
Além da questão imunológica, existe o comprometimento em níveis baixos desses nutrientes, pode haver uma maior probabilidade de infecções, de comprometer algum processo de reações imunológicas, o indivíduo pode ficar imunocomprometido e ainda mais se tiver associado com o uso de alguns medicamentos. Assim, eu chamo atenção das vitaminas antioxidantes, como vitamina A, vitamina C, vitamina E, além dos minerais Zinco e Selênio. Esses nutrientes são muito importantes nos processos, que garantem um controle dessa inflamação, dessa resposta imunológica adequada e controlada, são nutrientes chaves nesse processo.
O que é recomendado em relação a isso, o que devemos fazer?
De acordo com a EXPEN - Sociedade Europeia de Nutrição, todo nutricionista que trabalhe com esses pacientes deve sempre acompanhar as suas publicações. Este guia traz o que exatamente esses portadores precisam, além de serem acompanhados sempre e com uma certa rotina, devem ser solicitados exames para avaliar realmente se tem ou não uma deficiência, e se for o caso de alguma deficiência, avaliar suplementação. Chamo atenção aqui que esta suplementação deve ser avaliada pelo médico gastroenterologista. Tem que ter muito cuidado com essa suplementação e deve ser feito um trabalho com equipe multidisciplinar, avaliando a real necessidade, até porque, tem suplementações que não devem ser feitas por via oral, por conta do risco de interação com algum medicamento ou trazer alguns sintomas intestinais. Assim, reitero que a melhor pessoa para avaliar a questão da suplementação realmente é o médico gastroenterologista.
O ferro, por exemplo, seu uso não é muito recomendado por alguns pacientes por conta do risco de piorar sintomas, um processo inflamatório e o médico é o melhor para avaliar isso, baseado nos exames bioquímicos.
Como podemos suprir? Vamos falar aqui da alimentação.
De uma forma geral, esses nutrientes conseguem serem obtidos em níveis adequados por meio da alimentação. Assim, uma pessoa, na medida do possível, se puder ter uma alimentação saudável e equilibrada, variando o consumo principalmente de legumes, verduras e frutas, tendo uma atenção maior para esse grupo de alimentos, além de cereais, raízes, tubérculos, carnes, ovos, laticínios, tendo o cuidado de variar esses alimentos para garantir que os nutrientes relacionados com um bom estado imunológico, com processo de cicatrização, prevenção de anemia, e uma redução da massa óssea realmente seja evitado.
Infelizmente tem alguns portadores que não conseguem ter sua alimentação tão saudável, tão variada, principalmente na fase ativa da doença. Nessa fase é importante o papel do nutricionista para auxiliá-lo em sua alimentação, adequando suas restrições alimentares e fornecendo um cardápio de alimentos que supra suas necessidades.
O acompanhamento por um profissional nutricionista é também necessário para aquelas pessoas que estejam em remissão da doença, momento importantíssimo para que o paciente mantenha ou recupere seu estado nutricional.
Esse é o meu recado. Espero que tenha contribuído de alguma forma. Obrigada mais uma vez à DII Brasil por essa oportunidade.
Texto extraído da vídeo-aula ministrada pela Dra. Mirella Brasil, no evento Maio Roxo 2020
Dra. Mirella é especialista em Nutrição Clínica sob a forma de Residência pela UFBA/SESAB; Mestre em Medicina e Saúde pela UFBA. Membro do Grupo de Pesquisa e Gastroenterologia da UFBA. Associada técnica da Associação Baiana dos Portadores de Doenças Inflamatórias Intestinais @DIIBahia_ . Membro do Grupo de Estudos de Doenças Inflamatórias Intestinais do Brasil (GEDIIB). Docente do Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE). Nutricionista em Gastroenterologia da CliaGEN (Clínica de Atenção em Gastroenterologia, Especialidades e Nutrição).