Enfermagem e Qualidade de Vida nas Doenças Inflamatórias Intestinais
Texto extraído da vídeo-aula ministrada pela Enfermeira Antonia Mauryane Lopes, no evento Maio Roxo 2020
Mauryane é Enfermeira pela Universidade Federal do Piauí–UFPI;
Mestre em Enfermagem pela UFPI;
Doutoranda em Enfermagem pela UFPI;
Pesquisadora em Doenças Inflamatórias Intestinais (DII) desde de 2014 com ênfase em Práticas Avançadas em Enfermagem em DII e Qualidade de Vida;
Membro do Grupo de Pesquisa em Boas Práticas de Enfermagem (PROBOAS) e do Grupo de Pesquisa e Extensão de Boas Práticas de Enfermagem e Nutrição em Doenças Inflamatórias Intestinais no Ambulatório do Hospital Universitário do Piaui – HU-PI (BPENDII);Quero primeiro externar o quanto fiquei lisonjeada ao receber o convite da DII Brasil para participar do Maio Roxo. Obrigada e sejam todos bem vindos ao Congresso.
No mês de maio, considera-se o mês da conscientização das doenças inflamatórias intestinais no mundo, para tornar o invisível, visível, e chamar a atenção de todos, não só para esse mês de maio, mas para todos os meses do ano em que precisamos de energia, força, coragem e entusiasmo para seguir em frente, em busca de melhoria, de mais atenção, mais conhecimento e mais investimentos para que possamos enfrentar essas enfermidades crônicas corajosamente todos os dias.
E para isso vamos falar um pouco sobre a enfermagem, a qualidade de vida dos pacientes com doenças inflamatórias intestinais. Queremos discutir a respeito do entendimento da doença, do autocontrole, do autocuidado, na inserção de práticas de enfermagem inovadoras intervencionais, que tem se mostrado efetivas para a melhoria da qualidade de vida, e assim também, falaremos da ciência da enfermagem como protagonista de um cuidado integral, sistemático e organizado a todos os pacientes com doenças inflamatórias intestinais. Então vamos lá.
As doenças inflamatórias intestinais são compreendidas em Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa, são enfermidades crônicas que acometem o trato gastrointestinal, cada uma com suas especificidades e particularidades, tendo como sintomas cruciais para a investigação do diagnóstico da doença, dores abdominais graves e a mudança no modo evacuatório.
Infelizmente, até o momento, a doença não tem cura e sua etimologia é desconhecida. As doenças inflamatórias intestinais são mediadas por fatores que algumas teorias consideram como desencadeantes. Dentre esses fatores podemos destacar os genéticos, os ambientais, os nutricionais, os imunológicos e os sócio-emocionais.
Quanto à prevalência e à incidência das doenças inflamatórias intestinais no mundo, os estudos mostram que houve um aumento crescente. Acredita-se que existam 4 milhões de pessoas com doenças inflamatórias no mundo, e trazendo aqui para a minha realidade, na região Nordeste do Brasil, um estudo realizado em 2015, revela que houve um aumento expressivo das doenças inflamatórias intestinais nos últimos 30 anos. Cabe ressaltar que essas doenças acometem tanto homens como mulheres, com maior prevalência em mulheres, mas isso também depende da região geográfica em que está sendo investigado. A sua incidência é mais presente em países industrializados, em famílias de classe média, em pessoas brancas e entre irmãos, sua prevalência aumenta 30 vezes mais.
Essas doenças inflamatórias podem ser manifestações intestinais e extraintestinais, sendo que esta última, pode acontecer antes, durante e depois do diagnóstico da doença, necessitando para isso, de um olhar atento e investigativo, baseados em evidências científicas de todos os profissionais clínicos que atendem essa clientela que, a priori, inicia-se no ambulatório.
Quanto ao tratamento medicamentoso, podemos afirmar que houve um aumento exponencial, principalmente se formos fazer uma analogia, uma análise entre a descoberta do tratamento da doença até a atualidade. Novos estudos, novas drogas foram testadas e têm sido implementadas para melhoria na efetividade da remissão da doença.
Agora falaremos um pouco sobre a enfermagem nas doenças inflamatórias intestinais. Por ser uma doença crônica, os pacientes com doenças inflamatórias intestinais tendem a ter pensamentos e sentimentos perturbadores, que podem trazer várias repercussões para sua vida, repercussões essas que podem impactar na sua vida social, na sua vida familiar, como também no seu psicológico. E aí, acredita-se na necessidade de um acompanhamento com informações essenciais, e a necessidade desse acompanhamento faz com que os profissionais de enfermagem tenham uma proximidade maior com esses pacientes, que pode acontecer tanto no domicílio como no ambulatório e também durante as internações.
Os estudos realizados por Casellas-Jordá et al em 2012 no Canadá e Amo et al em 2016, mostraram a eficiência no tratamento das doenças inflamatórias e a importância dos pacientes serem acompanhados por enfermeiros, assim também como diversos outros estudos elevam o perfil de enfermeiros e permitem que essa categoria desenvolva seu pleno potencial ao atender o paciente com doenças inflamatórias intestinais. Nós, enfermeiros, quando fazemos atendimentos a pacientes com doenças inflamatórias, nós percebemos e compreendemos os desafios que enfrentam, desafios esses que estão relacionados aos próprios sintomas intestinais, assim também como os sintomas psicológicos. Desta forma, como apoio dentro de uma habilidade de aconselhamento, nós conseguimos motivar os pacientes de forma respeitosa, oferecendo cuidados.
O que se percebe, é que quando o paciente chega até o serviço, principalmente o serviço público, há uma tendência de tentar tratá-lo como doença autolimitada, doença de cunho crônico e isso não deve ser visto desta forma. Um paciente de doença inflamatória intestinal precisa ser tratado como doença a longo prazo, ou seja, o cuidado ofertado precisa ser para melhoria na qualidade de vida. Ele precisa ser acompanhado, precisa ser mediado a longo prazo. E é aí que nós, enfermeiros, temos a habilidade de fazer esse acompanhamento e deixar o paciente cada vez mais motivado. É por isso que sempre defendo que todo paciente com doença inflamatória intestinal necessita de um enfermeiro, porque tudo isso que eu falei até agora é chamado de cuidado. Esse cuidado é a essência da enfermagem. Quando se atrela o cuidado à profissão de enfermagem, percebe-se que ele está sendo incorporado dentro do próprio contexto que essas pessoas vivem e cada dia isso está sendo mais aprimorado. Devemos ver e entender que esse cuidado vem sendo construído ao longo da história. O enfermeiro tem que cuidar, oferecer atenção, tratamento, respeito, acolhida ao ser humano, com desvelo, solicitude, diligência e zelo. E esse cuidado a pacientes com doenças inflamatórias intestinais está interligado a diversas dimensões, sejam elas culturais e estéticas, éticas, educativas e científicas. Pois é preciso ver esse cuidado como foco para que eu, enfermeiro, possa utilizá-lo na minha tomada de decisão enquanto profissional. Isso fortalece a autonomia e estimula a reflexão do meu paciente, além também do prazer de cuidar do outro de forma sistemática e orientada.
Podemos relacionar aqui alguns cuidados de enfermagem com o paciente com doenças inflamatórias intestinais. O enfermeiro deve estimular o autocuidado, deve elaborar planos de cuidado. Esses planos precisam ser individualizados e feito conjuntamente com cada paciente para que consiga atender às necessidades, não somente do paciente, mas também de todos os seus familiares. O enfermeiro precisa fazer o gerenciamento de caso, assim também como ter um trabalho muito bom em equipe, tanto multidisciplinar, como interdisciplinar. Ele precisa ter estratégias para fazer com que o paciente entenda e venha compreender o que é a doença, quais são os sintomas da doença, quais são as suas complicações. O enfermeiro também pode fazer o cuidado com estomia, como a demarcação do local e orientação de todos os cuidados necessários. O enfermeiro acompanha o paciente durante os procedimentos cirúrgicos, tanto na fase pré, intra e pós operatório. Cabe ao enfermeiro trazer para junto o acompanhante, a família desse paciente, que precisa entender os desafios que essas pessoas sofrem todos dias ao cuidar de pessoas com doenças crônicas. Então o conceito de autocuidado, ele também vale para o familiar, para o acompanhante, porque só assim o enfermeiro consegue fazer com que a pessoa se sinta motivada, aumente a sua autoestima. Quando se tem o apoio da família há uma melhor efetividade no entendimento da doença e nas ações que precisam ser realizadas para melhoria da qualidade de vida.
A enfermagem cuida atentamente das necessidades do mundo em transformação. Quando eu tenho um enfermeiro que possui práticas avançadas em doenças inflamatórias intestinais, o serviço tende a ganhar, não só o serviço, como também toda a clientela que é assistida. Então, compete a esse enfermeiro fazer a inserção de práticas avançadas, como utilizar modelos assistenciais.
Um modelo muito difundido, com bastante aceitação, tanto dos gestores como da própria clientela que é assistida, é o que chamamos de gerenciamento de caso. Nada mais é do que um modelo de assistência em que se utiliza a colaboração de processos em que o enfermeiro avalia, planeja e coordena todo o cuidado que será dado àquele paciente a longo prazo. É justamente neste momento de gerenciamento de caso que o enfermeiro se torna “advogado” do paciente, é no momento em que o paciente tem uma pessoa para defendê-lo, orientá-lo. E assim, o enfermeiro está tornando esse paciente autônomo.
Autonomia é uma competência que tem se mostrado bastante efetiva na melhoria da qualidade de vida dos pacientes com doenças inflamatórias intestinais.
Mas, como é a qualidade de vida das pessoas com doenças inflamatórias intestinais? Os estudos mostram que há uma qualidade de vida prejudicada nesses pacientes, sendo que os fatores que estão mais relacionados com a qualidade de vida, são os fatores emocionais, sociais e físicos. Então, quando falamos em qualidade de vida, eu sempre gosto de exemplificar: a vida é uma escada que precisa ser subida dia após dia para conseguirmos conquistar nossos objetivos e os pacientes com doença crônica, que tem bastante acometimento, tendem a ficar desmotivados e aí é que precisam de pessoas ao seu redor que os motivem.
Juntamente com outras intervenções, assim também, com o próprio entendimento da doença, o paciente começa a perceber que aqueles degraus precisam realmente serem alcançados. E aí você começa a ir além, você começa a entender que é preciso tornar-se, é preciso ser e pertencer. E aí, de repente, você passa a ser uma pessoa feliz. A gente pode afirmar que é possível sim, ter qualidade de vida, mesmo vivendo com doenças inflamatórias intestinais.
Quando você analisa a evidência científica, observamos que há um aumento no impacto da qualidade de vida nestes estudos, tanto na fase qualitativa como na abordagem quantitativa. Estuda-se muito sobre a qualidade de vida das pessoas com doenças inflamatórias intestinais. Como exemplo, há um estudo realizado pela Associação ABCD, em 2017, em que foram entrevistados 4.475 pacientes com doenças inflamatórias intestinais e 80% desses pacientes afirmaram que a sua qualidade de vida é afetada pela doença, mesmo na fase de sua remissão. Então, quando se analisa a qualidade de vida, é importante que tenhamos um conceito bem amplo na nossa mente do que vem a ser qualidade de vida. Eu preciso entender que ela trata da subjetividade da condição humana, que está relacionado a vários aspectos, como físicos, psicológicos, sociais, culturais e espirituais. Mas tudo muda, dependendo de como o paciente interpreta a sua qualidade de vida.
A pergunta sempre é: Como você vê a sua qualidade de vida com a doença?
Tudo isso muda quando o paciente passa a entender essa frase, porque a qualidade de vida não pode ser vista somente como um bem-estar da saúde, ela precisa ser vista como um juízo social e que está interligada por fatores emocionais e subjetivos, tais como prazer, bem-estar, felicidade, amor, realização pessoal e profissional. Quais objetivos precisam ser seguidos? Quais as metas que eu quero alcançar? Assim, também como a satisfação das necessidades básicas de saúde, assim também a satisfação das necessidades de cunho de desenvolvimento emocional, porque é preciso amadurecer o EU. É preciso ter o controle das minhas emoções, para que eu tenha uma garantia da melhoria da minha qualidade de vida.
E trazendo mais um conceito, a Organização Mundial da Saúde, diz que a qualidade de vida nada mais é do que o discernimento do indivíduo sobre a categoria na vida, no ambiente da cultura e de seus valores e que a qualidade de vida visa querer viver harmoniosamente bem.
Embora existam alguns fatores que são considerados perturbadores, dentre eles, a questão da idade, sabe-se que as doenças inflamatórias intestinais acometem pessoas na fase adulta, justamente nesse período em que as pessoas estão se definindo na vida profissional. Outro fator também relacionado é a questão do sexo. Os estudos mostram que as pessoas, principalmente as mulheres com doenças inflamatórias intestinais têm uma tendência maior a desenvolver ansiedade e depressão. Outro fator é a questão da escolaridade. Os pacientes que possuem um alto grau de nível de conhecimento, de estudos, tendem a ter uma qualidade de vida satisfatória quando comparada àquelas pessoas que não estudaram ou que estudaram pouco. Outro fator também são os problemas emocionais, e aí eu destaco também um fator muito importante que precisa ser avaliado, e que teve um impacto negativo no estudo realizado por Barros em 2016, mostrando que a sexualidade impacta de forma negativa na qualidade de vida das pessoas que vivem com doenças inflamatórias intestinais. Então precisamos entender que ter qualidade de vida é ir além, é aspirar valores, é enfrentar os determinantes e condicionantes, é ser multidimensional, é usar a inteligência e ver quais são os pontos importantes que dê frutos em seu prazer diário, porque os fatores perturbadores existem, mas eu preciso ter esse entendimento de que é preciso ousar, é preciso ir além.
Como dicas e estratégias ativas, eu, enquanto enfermeira, digo para vocês, pacientes com doenças inflamatórias intestinais, que é necessário que vocês sempre se elogiem, se encorajem, busquem apoio, sejam resilientes, tenham autogestão, autoconfiança, desenvolvam um autocuidado, enfrentem os sintomas da doença e alguns sintomas que podem interferir no seu bem-estar, na sua qualidade de vida.
Toda vez que eu vou falar sobre qualidade de vida, me recordo de uma reportagem que li na Revista Foco, da Associação ABCD, em que um paciente com Doença de Crohn, recém formado engenheiro, faz uma relação do que é a Doença de Crohn para ele.
Diz que é como surfar, você precisa analisar quando as ondas vão chegando, o tamanho dessas ondas e as tempestades que essas ondas trazem para você poder saber se vai encará-las, e ter Doença de Crohn é como o mar que precisa ser respeitado. Eu preciso saber a hora em que eu preciso ir, preciso saber a hora em que eu preciso ficar parado assim como, eu preciso saber que eu não posso desistir nunca.
Trago aqui umas dicas para o enfermeiro que assiste esses pacientes com doenças inflamatórias intestinais.
À priori, você deve se utilizar da entrevista motivacional para trazer mais próximo esse paciente. Eu preciso oferecer um apoio, ajudá-lo, fazer com que ele reflita sobre sua vida, é necessário que eu dê autonomia para esse paciente, preciso desenvolver orientações benéficas e essenciais para que ele entenda o autocuidado e assim também fazer com que ele se sinta satisfeito. Eu preciso ainda perguntar todo dia como esse paciente está.
Finalizo por aqui e espero que tenha contribuído bastante com algumas informações pertinentes para a vida de vocês, reforçando mais ainda que foi um prazer estar participando deste Congresso.