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Gravidez e Doenças Inflamatórias Intestinais

Gravidez e Doenças Inflamatórias Intestinais: é possível engravidar tendo Doença de Crohn ou Retocolite Ulcerativa? Entenda sobre.

Texto extraído da vídeo-aula ministrada pela Dra. Ana Carolina Lisboa, no evento Maio Roxo 2020

Dra. Ana Carolina é Médica Coloproctologista. Titular na Sociedade Brasileira de Coloproctologia. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Sergipe. Professora Assistente na disciplina de Clínica Cirúrgica da  UFS. Coordenadora da Residência Médica de Coloproctologia UFS.


Estou muito contente em estar participando deste Congresso virtual, mas muito virtuoso, em comemoração à conscientização do país com relação às nossas doenças inflamatórias intestinais. Queria agradecer à Patrícia pelo convite e dizer que é um prazer falar sobre gravidez em doença inflamatória intestinal. 

É um tema que eu gosto muito e que tenho o prazer de ter algumas mães comigo lá no ambulatório e que trazem seus filhos. Isso pra mim é uma vitória imensa, de vocês, nossa. Então, vamos começar a nossa aula.

Eu encontrei um poema de Bráulio Bessa que fala um pouco do que é ser mãe:

“Mãe, é aquela que tem o poder de carregar, toneladas de amor e de ternura,  uma infinidade de bravura e uma luz que jamais vai se apagar, pois seu brilho é capaz de iluminar o caminho em que vamos percorrer, se arrisca só para nos proteger, não importa por onde a gente for, nas três letras de MÃE tem tanto amor, que não há quem consiga descrever….”

Tem uma estrofe que fala, “se arrisca só para nos proteger”, e isso é o intuito da minha aula. Em dizer para vocês, mães, que são portadoras de doença inflamatória intestinal, que não se arrisquem, que se arriscar, para vocês, é o arriscar a sua vida e a vida do seu bebê. E não existe essa possibilidade, e quando tratamos e falamos de filho, temos que se proteger e proteger o bebê. 

O que eu quero que vocês concluam ao final dessa conversa é que a proteção é a manutenção da sua doença em remissão. 

Ser mãe é um sonho, é um projeto de vida, é medo, é dúvida, é para qualquer mulher. Qualquer mulher que vai gerar uma vida, vai ter medo, vai ter dúvida. E para isso é que nós, médicos, nós equipe, precisamos estar junto a vocês, para fazer o possível, para esclarecer dúvidas, tirar e reduzir o medo, aumentando a possibilidade de seus sonhos e seu sucesso, e que seu projeto de vida seja um sucesso e seja realizado.

Maternidade é isso, é pureza, é leveza, é gerar uma outra vida, é o que vai ser o seu significado nesse mundo. Eu venho dizer a vocês através desse bate-papo que é possível sim, ser mãe e ter a doença inflamatória intestinal. Existem doenças piores em que isso não é possível, mas para vocês, regar essa flor, protegê-la, acolhê-la, é algo extremamente possível.

O importante é planejar como tudo na vida. Para qualquer mulher, é importante planejamento da sua gestação para que tudo aconteça da melhor forma possível. E para vocês também, isso é um item de extrema importância. 

Gravidez e Doenças Inflamatórias Intestinais. Como se preparar?

Sabemos que o preceito básico é você estar em remissão clínica, você estar com a sua doença controlada, tanto clinicamente como laboratorialmente, e endoscopicamente. Isso é um preceito básico, e vocês sabem que a medicação é que faz isso, o tratamento é que faz isso, e o que não queremos é ver a doença em atividade, e você, gestante. 

Em 70% das pacientes que estão grávidas, a doença está em atividade. As pacientes vão piorar durante o curso gestacional. 

Então, eu venho dizer a vocês o seguinte: que as medicações que nós utilizamos no nosso dia a dia são medicações que não interferem com a gestação. Vamos ver mais adiante que o acompanhamento próximo com obstetrícia, nutricionista, psicóloga, é o elo de extrema importância, associado, claro, ao seu médico gastroenterologista e/ou proctologista que estejam juntos com você nessa caminhada.

Alguns pacientes me questionam muito se a fertilidade da paciente está comprometida. Será que eu posso engravidar? Será que eu tenho condições físicas de engravidar? E eu digo: tem sim. Na maioria dos casos, sim. A mulher que têm a doença inflamatória intestinal, em geral, tem a sua fertilidade mantida igual a qualquer mulher da sociedade.

Existem cuidados nutricionais, como por exemplo, o uso do ácido fólico pré gestacional, que é importante na doença inflamatória intestinal, assim como é importante para qualquer mulher pré-concepto. Na mulher com doença inflamatória intestinal pode haver a necessidade de uma suplementação de ferro um pouquinho maior que a dose do ácido fólico, assim como pode ser que precise de um suplemento de vitamina B12. 

Aí a pessoa pergunta: e quais são os meus riscos? Então, tudo na vida tem riscos, certo? Existem gestações de risco. Eu não posso considerar a paciente que tem uma doença inflamatória, como uma paciente de extrema gravidade, mas é uma paciente que merece um olhar diferente, mas não é para ser considerada um risco grande, até porque se fosse assim, não seria permitido engravidar. 

Quais são os riscos? O risco que às vezes as mães perguntam muito: eu vou transmitir essa minha doença para o meu filho? As doenças inflamatórias intestinais não são doenças que se transmitem 100%, não tem uma hereditariedade com penetrância de 100%. Existe uma tendência de 20 a 60%, mas é muito variável. A correlação é, menos da metade de chances, vamos dizer assim. 

Sabemos também que as portadoras de Retocolite Ulcerativa têm uma tendência maior de reativação da doença na gestação, do que as pacientes de Crohn. Normalmente, essas recaídas acontecem no primeiro trimestre de gestação, mas temos como lidar com isso. 

A fertilidade pode ser um risco no sentido de que a paciente possa ter diminuição de fertilidade. Quais são as situações em que percebemos essa fertilidade diminuída? Mas lembrando que também não são 100% dos casos.

Alguns casos como, pacientes que têm cirurgias prévias, pacientes que fazem abaixamento que suas cirurgias entram um pouco mais no reto, com bolsa ileal, protectomia, são pacientes que podem ter sua fertilidade reduzida por conta de aderências, por conta de fibrose, que podem comprometer as trompas, pacientes que às vezes tem uma doença inflamatória pélvica, de repetição e que compromete a perviabilidade, vamos dizer assim, o encontro do óvulo com o espermatozóide.

Mas mesmo nessas mulheres que têm uma anatomia diferente, existem as técnicas de reprodução assistida que podem ser dispensadas para esse tipo de paciente infértil ou com dificuldade de engravidar com sucesso.

O que observar na gravidez de quem tem DII

Existem muitas dúvidas sobre gravidez e doenças inflamatórias intestinais. Algumas como: E quando eu engravido, quais são os meus riscos? Inicialmente, no primeiro trimestre, há maior risco de abortamento, como é na população em geral.

Também a partir do terceiro trimestre, nós temos as complicações de uma pré-eclâmpsia, uma possibilidade de risco prematuro, uma possibilidade de baixo peso ao nascer, uma possibilidade de hemorragia pós-parto, e pré-eclâmpsia também é uma coisa possível, principalmente naquelas pacientes em que a doença entra em atividade e o médico precisa usar corticóide, que tem uma associação com a hipertensão. 

Falando especificamente da sulfassalazina, é uma das medicações que nós utilizamos correntemente. A sulfassalazina no paciente com Retocolite Ulcerativa: por ser uma droga antiga, nós temos dados suficientes da literatura, da história de que a sulfassalazina é sim, segura na gestação e na amamentação.

Eu posso suspendê-la, talvez seja até recomendado suspendê-la no último trimestre, porque existe a possibilidade de kernicterus. O que é isso? É o bebê ter icterícia pós-natal. Por isso que no último trimestre, para aqueles pacientes que usam sulfassalazina é recomendado modificar para a mesalazina, porque esta não tem esse efeito colateral. Então ela é segura na gestação, assim como é segura na amamentação.

Às vezes, as mães ficam com muita dúvida, porque toma muito, mas muito comprimido durante o dia. Isso pode afetar? Não, não pode. Como eu já falei no início da nossa apresentação, a doença em atividade é que é arriscar a vida do seu bebê.

A azatioprina é um imunossupressor assim como a ciclosporina, assim como o metotrexato. 

A azatioprina é usada com muita tranquilidade na nossa prática diária, e graças à Deus também os estudos mostraram uma segurança importante na gestação e na amamentação. 

E quando os obstetras escutam da paciente que usam azatioprina, eles logo falam em suspender. É neste momento que surge o desconhecimento por parte de alguns obstetras que impactam negativamente no nosso tratamento. Então, é isso que precisa existir: um ELO de confiança entre o obstetra, a paciente e entre o seu clínico. Precisa haver esse ELO de confiança, porque dessa forma, a paciente segue continuamente com sua medicação de uma forma mais segura. 

O único supressor que realmente é proibido se chama metotrexato. Existem estudos que  realmente mostram anomalias no feto, teratogênico. Esse realmente é proibido, mas a azatioprina não é, e a ciclosporina também não. 

Anti-TNF: essas drogas de imunobiológicos realmente deram um “up”  no tratamento da doença inflamatória intestinal. Ele mudou completamente a qualidade de vida, qualidade de tratamento da doença inflamatória intestinal. É como se nós tivéssemos entrado no mundo de mais especificidade, de maior eficácia no tratamento da doença inflamatória.

Então os anti-TNF, eles também não podem ser suspensos. O infliximabe, o adalimumabe, o certolizumabe são imunobiológicos fornecidos pelo SUS e que não devem ser suspensos. Estudos mostram grande segurança na gestação e grande segurança na amamentação. 

Existe um detalhe no tocante ao uso dos anti-TNF, infliximabe e o adalimumabe, com relação à vacinação do bebê. Essas duas moléculas ultrapassam a barreira placentária e o bebê possui títulos pequenos dessas moléculas em seu sangue ao nascer.

Por isso que, a depender do caso, avalia-se a suspensão dessas medicações no último trimestre para quê, quando o bebê nasça a termo, eles tenham ainda mais ou zerado, os títulos dessas moléculas em seu sangue. Por quê? Porque eu preciso fazer a vacinação de BCG.

Normalmente, o protocolo é que faças ao nascer na própria maternidade. Se a mãe estiver usando anti-TNF até o final da gestação, a vacina é adiada para 6 meses após o nascimento porque é uma vacina de vírus vivo. Existe somente esse detalhe de reacomodação do calendário vacinal do seu bebê. A BCG e o Rotavirus, que seriam aplicados no segundo mês, eles podem ser adiados, se não foi possível a suspensão da sua medicação no último trimestre de gestação. 

Existe o certolizumabe, que é uma molécula em que não é mais segura, entre aspas, na gravidez, ela não ultrapassa a barreira placentária e, por conta disso, esses detalhes vacinais não precisam ser levados em conta. Às vezes, se você é uma mulher jovem e que já estava no seu planejamento, a gestação, talvez a escolha pelo certolizumabe, seja a mais coerente. 

A eficácia das três medicações se mostram iguais nos estudos, mas caso a caso, é preciso individualizar para a escolha do seu, da sua terapia.

A reativação. Poxa, eu reativei minha doença durante a gravidez, que eu faço? Corticóide. Da mesma forma que a gente iria fazer sem a gestação. O corticóide é permitido na gestação e ele funciona bem. 

O corticóide, a prednisona, em sua forma venosa, é possível, é viável e não traz problema  a você e ao seu bebê. O importante é não ter o gatilho inflamatório. Isso aqui é um importante tentar não reativar. Por isso que eu falei a vocês no início, para tentar não entrar na gestação com a doença ativa. Mas se acontecer, estamos juntos. Não é problema, vamos ter mais cuidado.

Então vamos fazer uma enterorressonância, porque muitas vezes aquela diarreia não é reatividade da doença, fazer um ultrassom específico para a doença inflamatória. Precisamos ter certeza que é uma reativação da doença, e fazer o tratamento adequado. 

O exame endoscópico, por ser mais invasivo, retossigmoidoscopia, colonoscopia, não utilizamos de rotina para avaliação de reativação. Existem outras formas. Existe aquela protectina fecal, mas em último caso, pode ser feita com seus cuidados. 

E o parto? Chegamos em uma outra etapa de conversa. Quando chega no último trimestre, precisamos pensar no parto. Normalmente, o obstetra quer indicar uma cesariana por conta da doença inflamatória. E aí eu sempre respondo, não. A indicação de cesariana ou não é da parte da obstetrícia. Não há contra indicação de um parto vaginal por conta da doença inflamatória, exceto em pacientes que têm doença perineal, doença com muitas fístulas, doença que envolva o reto.

Um canal anal estenótico, um canal anal que já tem uma anastomose, uma bolsa ileal. Nesses pacientes, prevendo um trabalho de parto mais difícil que possa impactar ainda mais na sua incontinência, preferimos o parto cesáreo para que o períneo não seja mexido. E a paciente com ostomia? A paciente com ostomia  é tratada como uma mulher normal.

Ela pode ter o seu parto vaginal claro, óbvio que pode. Agora precisa se ponderar o seguinte: como vai ter o esforço, a força, a contração uterina, que é forte, talvez, o seu estoma, tenha um prolapso, mas são complicações relativamente fáceis de tratar e outras que a gente vai precisar tratar num segundo momento, mas não é nada de urgência, porque não vai modificar a função da ostomia, porque não vai mexer na sua ostomia. Então pacientes com ostomia podem, sim, ter parto normal. Agora cabe ao obstetra, no momento, avaliar o custo benefício disso.

O pós-parto: segue as orientações normais de qualquer pessoa, mantenha a sua medicação, mantenha o seu cuidado alimentar, mantenha o seu cuidado de hidratação. Amamente o seu bebê até quando conseguir. A recomendação da pediatria é que a amamentação seja exclusiva até os 6 meses de vida. No entanto, a gente sabe que cada mulher é uma mulher diferente. 

Antibiótico pós-parto: normalmente usamos cefalexina ou amoxicilina clavulanato em que se houver algum problema, pode fazer de forma tranquila. Para as pacientes com doença inflamatória intestinal recomenda-se a não utilização de anti-inflamatório, nimesulida profenid, às vezes é uma cesariana e que dói. E esses medicamentos são necessários. Você pode fazer? Claro que pode. Agora, faça o mínimo tempo possível. Utilize por menos tempo possível esses medicamentos.

Suporte psicológico e suporte familiar é de extrema importância porque a vida agora vai mudar. Mas eu quero que vocês não esqueçam da sua vida pela vida do seu bebê, porque isso é muito comum. É, até certo ponto, normal, mas a paciente, a mulher que tem a doença inflamatória não pode esquecer da sua doença. Ela não pode esquecer de tomar sua medicação porque, mais do que nunca, ela agora tem uma outra vida para cuidar, então a sua saúde tem que estar nota 1000.

Por isso que afirmo que é importante a união da equipe multidisciplinar. Que estude caso a caso, estude o histórico da paciente. Estude a doença inflamatória na gestação, a doença inflamatória no impacto psicológico. A equipe multidisciplinar é extremamente importante. Os protocolos estão aí. Nós temos diretrizes publicadas no Brasil, no mundo e de fácil acesso. O acompanhamento obstétrico segue rigorosamente o protocolo já estabelecido. 

E precisa-se de mais respeito e de mais apoio à mulher que tem a doença inflamatória intestinal. Não é por ter doença inflamatória intestinal que nós vamos ser desencorajadas, não, ao contrário. Nós podemos vencer e ter nossa gestação tranquila. Eu me incluo, não é que eu tenho doença inflamatória, mas é porque eu sinto como vocês sofrem, e isso é muito importante. 

Então, foi o tempo voltando a rosa, “foi o tempo que dedicaste à tua rosa que fez tua rosa tão importante”. Isso é “O Pequeno Príncipe”, que me acompanha todos os dias, porque não é fácil lidar com doença inflamatória. Nesse cenário ruim de pandemia, nós estamos observando boas notícias, nossos pacientes não estão adoecendo de COVID.

É uma proteção divina? Talvez sim, é uma proteção imunológica? Talvez sim. Existem até estudos que falam que a gravidez protege e há melhora da doença posteriormente. Então não estou dizendo que é fácil. Não estou dizendo que vai ser fácil não. Eu estou dizendo que é possível, com cuidado, com consciência e com respeito.

Eram essas as minhas mensagens que eu queria compartilhar com vocês sobre gravidez e doenças inflamatórias intestinais. Quero agradecer por tudo e que todo mundo hoje tenha um bom dia. É que nós sigamos com fé em Deus e que tudo isso vai passar. Obrigada. Um beijo a todos.