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Fístulas, estenoses e tratamentos disponíveis

Fístulas, estenoses e tratamentos disponíveis foi o tema que me coube abordar nesse congresso do Maio Roxo. O que são e como tratar? 

Não tenho conflito de interesse nesta apresentação. Meu interesse é explícito e antigo. Valorizo muito o acesso à informação para melhorar a qualidade de vida dos portadores de doenças inflamatórias intestinais. Vamos começar por definir as doenças inflamatórias intestinais. 

Definição das doenças inflamatórias intestinais

Chamamos por este termo 3 doenças: a Retocolite Ulcerativa, a Doença de Crohn e a Colite Indeterminada. 

A Retocolite Ulcerativa é uma doença de mucosa, da parte interna do intestino. A inflamação inicia no reto e pode acometer segmentos pequenos ou longos do cólon, até mesmo todo o intestino grosso. Pode se complicar com hemorragia ou dilatação aguda do intestino e às vezes, existem manifestações
extraintestinais, ou seja, em outros órgãos que não o intestino.

Já a Doença de Crohn, acomete todas as camadas do intestino, da boca até o ânus, qualquer segmento do trato intestinal pode inflamar. Apresenta-se com diarreias, cólicas, emagrecimento, febre e menos frequentemente, com sangue nas fezes. Também pode acometer o ânus. Complica-se com abscessos, fístulas e estenoses. E as manifestações extraintestinais também podem estar presentes.

A Colite Indeterminada, como diz o próprio nome, é o diagnóstico quando não conseguimos definir com clareza, se o paciente tem Retocolite Ulcerativa ou Crohn do Cólon, quando o quadro clínico apresentado é bem semelhante. 

Assim, o meu tema diz respeito à Doença de Crohn. Tudo começa com a inflamação da parede intestinal que causa úlceras, feridas, que por vezes são longas e profundas. Este processo inflamatório atinge todas as camadas do intestino, levando ao inchaço deste segmento acometido.

Como a parede do intestino é muito delicada, fina, ela se torna espessada e isto reduz a luz intestinal. Através de uma colonoscopia, conseguimos observar o processo inflamatório crônico com áreas ulceradas, brancacentas e ilhas de mucosa preservadas, formando como se fossem pólipos. 

Vamos começar entendendo o que significam os termos fístula e estenose.

Fístulas, estenoses e tratamentos

Começando pela estenose. Com a inflamação, há um inchaço na parede intestinal, que chamamos de edema. Só isso já é suficiente para levar para uma redução da passagem no intestino. Mas, além disso, a cada vez que esta inflamação melhora, com cicatrização das úlceras, também há a formação de fibrose local, que é um tecido cicatricial endurecido, sem elasticidade, que estabelece um estreitamento permanente. O inchaço regride com o tratamento clínico.

Já a fibrose, não regride, ela já é a resolução do processo. A cada nova crise, temos as duas coisas somadas, a fibrose pré-existente de crises anteriores e o edema inflamatório da crise atual. Com a dificuldade de trânsito, devido ao estreitamento e à existência de úlceras na parede intestinal, ocorre a formação de vazamentos, fístulas, logo acima da área estreitada, onde a pressão fica aumentada.

Estes vazamentos de minutos, convocam a formação de aderência de vísceras vizinhas ao órgão inflamado. Isso é uma tentativa do corpo para restringir o processo inflamatório. Assim, a parede destes órgãos também pode se tornar inflamada, por vizinhança, igual a um incêndio, e as duas vísceras
passam a se comunicar.

Isto pode acontecer entre duas alças de delgado, entre os intestinos delgado e grosso, entre o intestino e a bexiga, ou o intestino e a parede vaginal, ou ainda entre o intestino e a pele. E neste caso, nós dizemos que se trata de uma fístula externa. Qualquer destas possibilidades pode acontecer, e mesmo, mais de uma delas ao mesmo tempo. 

Na doença de Crohn de canal anal, observa-se a inflamação retal concomitante na metade das vezes, que pode ser visto através de colonoscopia. A inflamação nos tecidos perirretais formam abscessos nos diversos espaços que existem nesta região. Os abscessos podem ser superficiais ou profundos.

Uma vez que o abscesso seja drenado, normalmente surge na pele um orifício que se comunica
com o interior através de um canal. Assim se formam as fístulas perianais. Quando o abscesso é superficial, forma-se um trajeto simples que não acomete o esfíncter anal.

Este é o músculo responsável pela continência fecal. Se o abscesso é mais profundo, ele pode formar vários trajetos mais complicados, e às vezes, isto vai dificultar o tratamento. São chamadas fístulas complexas.

Exigem um tratamento mais cuidadoso, porque tem o risco de comprometer a capacidade de retenção de gases e fezes. Um ânus com estenose pode estar cicatrizado após várias inflamações, porém fica aberto de forma permanente e inelástico, por fibrose cicatricial, sem capacidade de relaxamento e dilatação. 

E agora? Como sei se estou com uma fístula ou estenose? 

A Doença de Crohn é crônica e evolui de forma diferente em cada paciente. Isto pode tornar o diagnóstico desta doença um desafio. Porém, as estenoses e fístulas são complicações que ocorrem durante a evolução do processo.

Quase sempre, o paciente já tem o diagnóstico quando surgem estas complicações. Em alguns casos, o quadro de abscesso e fístula pode surgir antes do diagnóstico, principalmente na apresentação perianal, e isto pode dificultar o diagnóstico ainda mais. São necessários exames para esclarecer o que está acontecendo de fato.

Nas complicações, pode haver uma exacerbação ou alteração dos sintomas que o paciente já conhece. 

No caso da estenose, pode ocorrer mais dor abdominal, por exemplo, cólicas, intolerância alimentar, vômitos, pós alimentares ou dependentes de determinados alimentos mais fibrosos, indicando uma certa dificuldade no trânsito intestinal.

Ou, paciente pode se queixar de intestino mais preso, com distensão abdominal e flatulência, ou mesmo ele percebe que as fezes chegam ao ânus, mas é difícil eliminá-las, precisando de um grande esforço que chega a causar sangramento. 

Já nas fístulas, a diarreia pode se tornar mais intensa pelo curto circuito que se forma entre o intestino delgado e o cólon, por exemplo. A dor abdominal pode estar mais localizada se há um abcesso e podem ainda ocorrer febre, eliminação de gás ou resíduo alimentar por vias urinária ou vaginal, ou ainda eliminação de pus ou resíduo fecal por orifícios na pele.

O diagnóstico adequado é realizado a partir de vários exames, de acordo com a suspeita
clínica do médico. 

Alguns exemplos de exames mais rotineiros solicitados.

No sangue, podemos pedir marcadores inflamatórios, como a velocidade de hemossedimentação e a
Proteína C Reativa, que permitem verificar se há inflamação e acompanhar se ela está melhorando ou piorando.

O hemograma nos conta sobre a presença de anemia e infecção associada. Outros exames para checarem déficits nutricionais, como albumina. Avaliação das funções renal e hepática do fígado são muito
importantes para diagnóstico e acompanhamento destes pacientes.

E nas fezes, podemos checar a existência de parasitas e avaliar marcadores inflamatórios como a calprotectina fecal. Exames endoscópicos, como a colonoscopia e a endoscopia alta, são importantes. Eles permitem a avaliação da mucosa e as biópsias, para diagnóstico adequado.

Os exames de imagem também são fundamentais. Ultrassom, tomografia, ressonâncias. Cada um com sua indicação, limites e particularidades.

Outro exame importante é o exame de cápsula endoscópica, porém se houver suspeita de estenose, este exame é contra indicado pelo risco de impactação da mesma em área estreitada, levando a uma cirurgia de urgência. 

E agora? O que fazer para tratar fístulas e estenoses?

O tratamento destas complicações vai depender do impacto delas na vida do paciente. 

Quando o problema é estenose, temos que avaliar se o que prevalece é fibrose ou inflamação como causa do problema. Quanto mais inflamado, maior a possibilidade de tratar clinicamente com medicamentos anti-inflamatórios, quanto maior o fator fibrótico, maior a chance de precisar de cirurgia. 

As fístulas, também podem ser pouco ou muito sintomáticas. Uma comunicação de uma alça de delgado para outra alça de delgado quase não dá repercussão. Mas se for uma comunicação para a via urinária, por exemplo, não dá para conviver, pois vai contaminar esta via o tempo todo.

As fístulas perianais também impactam muito na qualidade de vida dos pacientes com vazamento de pus e/ou fezes o tempo todo, o que exige o uso de protetor de roupa e pode causar constrangimentos.

Porém, temos que ter em mente que só conseguiríamos tratar adequadamente o paciente se ele estiver em boas condições clínicas, sem anemia e sem déficits nutricionais. 

No tratamento das estenoses, temos uma preocupação extra quando o estreitamento está no colo pelo risco de neoplasia associada. Assim, se o paciente surge como uma estenose nova, intransponível com o colonoscópio, com perda de peso, dor abdominal grave, uma anemia que surgiu recentemente ao que
está progredindo, precisamos definir bem se não há tumor associado. 

Para tratar os estreitamentos de intestino, temos três recursos: 
1- medicamentos,
2- dilatação com balão (que é realizado por colonoscopia),
3- ou cirurgia para remover o segmento estreitado. 

Não vou detalhar aqui nenhum tratamento medicamentoso, mas é importante entender o que está acontecendo. O paciente está tomando a medicação adequadamente? Os medicamentos estão em dose correta?

Alguns destes medicamentos são prescritos por quilo de peso? E se o paciente tiver ganho peso
desde a última crise, o remédio pode ter ficado em subdose. Os exames mostram um bom controle inflamatório?

Isso nos ajuda a definir se se trata de nova crise ou uma sequela fibrótica de processos anteriores. Se uma alta carga inflamatória está presente, será que o tratamento está adequado? Talvez esteja ocorrendo uma perda de resposta ao remédio, que é comum com biológicos, por formação de anticorpos do paciente contra a droga.

Se for o caso, o medicamento deverá ser alterado, levando-se em conta várias questões, da indicação à
acessibilidade, pois não adianta prescrever um medicamento que o paciente não conseguirá acessar de forma regular. 

A segunda modalidade de tratamento, é a dilatação endoscópica por balão. Este é um método bem engenhoso para tratar as estenoses, indicado principalmente para o estreitamento que ocorre em anastomose, nome que damos à emenda realizada cirurgicamente.

Quando o paciente é operado e é retirado o íleo terminal, que é a cirurgia mais comum na Doença de Crohn, o cirurgião restabelece o trânsito do intestino através de uma anastomose, costurada ou
grampeada entre o intestino delgado e o grosso.

É comum com o processo inflamatório reaparecer exatamente neste local e isto pode evoluir aos poucos
para um estreitamento. Se o estreitamento é curto, menos de 4cm, é possível de ser estudado por imagem e acessado por colonoscopia, é possível introduzir um dispositivo através do orifício, abrir, então o balão e puxá-lo devagar para dilatar o estreitamento. Pode ser repetido, se necessário.

E apesar dos bons resultados, é um procedimento que tem seus riscos, como a laceração ou perfuração da parede intestinal. Por isso deve ser realizado por profissional experiente, em ambiente hospitalar, contando com uma equipe de cirurgia disponível para apoio, caso seja necessário. 

A cirurgia é o terceiro recurso. Alguns pacientes vão mesmo precisar do tratamento cirúrgico, estenoses longas ou não acessíveis para tratamento endoscópico são as indicações. Se a cirurgia puder ser realizada de forma programada, eletiva, isto é o ideal.

Algumas vezes temos que operar o paciente em quadro de urgência com obstrução intestinal. Toda cirurgia de urgência é mais complicada, por vários fatores. O bom controle clínico é essencial para
que não seja necessário um tratamento na urgência.

A cirurgia pode ser realizada fazendo-se uma plástica no segmento estreitado, sem removê-lo ou é
necessário remover o segmento intestinal doente por estar muito comprometido e não ser tecnicamente possível preservá-lo. Alguns pacientes são operados várias vezes ao longo de suas vidas. O risco de ressecções longas ou repetidas é o intestino ficar curto, com dificuldades de executar sua tarefa absortiva.

Mais uma vez, é importante tratar de forma adequada, clinicamente. Quando removemos a parte acometida, temos que resolver o que fazer com as duas bocas intestinais criadas. Podemos emendá-las, fazendo uma anastomose ou fechar a disal não funcionante e colocar a boca proximal funcionante na pele, criando uma estomia, ileostomia ou colostomia. Sempre que possível, o cirurgião faz a anastomose.

Em condições adversas, por exemplo, um paciente grave, operado na urgência, com anemia, muito desnutrido, onde realizar uma anastomose não é seguro, a opção é fazer o estômago. Após a recuperação do paciente, podemos então restabelecer o trânsito. 

Mais uma vez, a importância de manter a saúde através de um bom controle clínico. 

Falando um pouco do estreitamento do canal anal, o tratamento vai se basear no tanto que a evacuação está difícil, se o paciente está conseguindo evacuar sem dor ou grande esforço, lembrando que muitas vezes estes pacientes já tem as fezes mais pastosas, não é necessário intervir.

Porém, se há grande dificuldade, muito esforço, evacuações à prestação, às vezes com sangramento ou
impossibilidade de se realizar os exames endoscópicos, que são fundamentais para controlar a doença, temos que operar para melhorar o estreitamento. 

Passando agora para o tratamento das fístulas, dividimos as fístulas em abdominais, que podem ser internas ou externas, como já explicado, com ou sem abscesso, e fístula perianais. Quando temos abscesso, coleção de pus, é necessário tratar a infecção e drenar a coleção.

Esta drenagem abdominal pode ser feita por agulha através da pele, guiada por método de imagem ou por cirurgia, quando este método menos invasivo não é possível, ou não resolve. Já as fístulas estabelecidas sem pus, fibrosadas, há de se avaliar o impacto na vida do paciente. Quando necessário, o tratamento cirúrgico é a opção.

A doença, fistulizante perianal, pode ser um desafio. Precisamos resolver o problema da infecção local, drenar todas as coleções, manter o paciente drenado com uso de sedenhos, e tratar a doença inflamatória com medicamentos.

Nem sempre isto vai resolver o problema, quando necessário, tem que se remover o reto doente, com a construção de um estoma. 

Por fim, quero deixar algumas mensagens importantes para você. 

Eu gostaria de chamar a atenção para a importância da multidisciplinaridade no tratamento dos pacientes portadores de doenças inflamatórias intestinais, estenoses e fístulas já são complicações da doença.

Quanto mais profissionais envolvidos no tratamento planejando as soluções, maior a chance de sucesso.
Outra coisa muito importante é o comprometimento do paciente com seu tratamento e com a sua melhora. É fundamental que o paciente se pergunte, o que eu tenho feito, que colabora com a vida que quero criar? Quanto mais comprometido o paciente está com seu tratamento, maior a chance de sucesso. 

É muito importante buscar ajuda nos grupos de apoio, da mesma maneira que os profissionais têm que contar com o apoio dos colegas, os pacientes têm que buscar apoio de outros pacientes e isto é feito através das associações de portadores.

Eu cito aqui a associação mineira AMDII e a DII Brasil, mas graças ao trabalho de inúmeros portadores, hoje nós temos associações em todo o país e também fora do país. E também quero chamar a atenção para a importância do Maio Roxo.

A conscientização das doenças permite lutar por um melhor tratamento, pelo acesso aos medicamentos, que são caros e não só aos medicamentos, acesso ao recurso jurídico, a psicólogos, a informação, tudo o que é necessário para o melhor resultado do tratamento. 

E, por fim, a vida é imprevisível para todos. O fato de ter uma doença não define quem eu sou, não o define. Para onde eu vou caminhar? Portanto, sonhe. Faça seus projetos, realize-os, a doença impõe alguns limites, você terá que tratar dela, mas não os impede de viver.

Cada um de nós é responsável pelo próprio destino e nós temos que construir a nossa vida todos os dias. Muito obrigada pela oportunidade de falar com vocês, se cuidem, logo estaremos fisicamente juntos novamente. Obrigada.

Texto extraído da videoaula ministrada pela Dra. Sinara Mônica de Oliveira Leite, no evento Maio Roxo 2020. Dra. Sinara é Médica Coloproctologista em Belo Horizonte/MG. Membro
titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia e do GEDIIB. Coordenadora da equipe de coloproctologia e da residência nesta especialidade no IPSEMG e professora de coloproctologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. É também madrinha da Associação Mineira
– AMDII.