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Manifestações dermatológicas nas Doenças Inflamatórias Intestinais

Manifestações dermatológicas nas Doenças Inflamatórias Intestinais

“Manifestações Dermatológicas nas Doenças Inflamatórias Intestinais” 

Texto extraído da vídeo-aula ministrada pela Dra. Juliana Viesi, no evento Maio Roxo 2020

Dra. Juliana é Médica Dermatologista. Membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica. Membro da Academia Americana de Dermatologia. Membro do Conselho Científico da DII Brasil.

Uma aula sobre alterações de pele – manifestações dermatológicas nas doenças inflamatórias intestinais. Antes de falarmos sobre essas alterações, vamos falar um pouquinho sobre alguns conceitos básicos. Inicialmente vamos falar sobre anatomia do intestino. 

Anatomia do Intestino

Nosso trato digestivo é composto pela boca, que tem um tubo que leva o alimento até o estômago, chamado de esôfago. O estômago armazena o alimento. Depois dele temos o duodeno e depois, o intestino delgado. Logo após, o intestino grosso, que faz a comunicação com anus, e este, a comunicação com o ambiente onde serão eliminadas as fezes. Nosso intestino é composto pelo intestino delgado e pelo intestino grosso. 

Também é importante saber o que é uma inflamação do intestino e quais são os seus sintomas.

Quando temos uma inflamação no intestino, provavelmente, todos nós já tivemos algum desses sintomas: dor de barriga como uma cólica, perda do apetite, náuseas, vômitos, diarréia, estar com intestino trancado, que chamamos de constipação ou ter alteração nas características das fezes, que podem se tornar mais líquidas, como uma diarréia, que pode ter um aspecto mais esbranquiçado, com a presença de muco ou até a presença de sangue nas fezes. Quando esses sintomas se tornam muito recorrentes, isso já pode ser sinal de uma doença inflamatória intestinal. 

O que são as doenças inflamatórias intestinais? São doenças crônicas que inflamam os nossos intestinos, tanto o intestino delgado quanto o intestino grosso. Os dois tipos de doenças inflamatórias intestinais são a Doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa. 

Qual a diferença entre essas duas doenças? A Doença de Crohn acomete geralmente o intestino delgado, mas pode acometer o intestino grosso e outras partes do trato digestivo, como esôfago, por exemplo, tendo como principal característica um aspecto de acometimento meio que salpicado, acomete pequenas lesões do intestino. Já a Retocolite Ulcerativa, o cometimento é geralmente na região do intestino grosso, mais extenso e contínuo, sem ser um aspecto salteado, como na Doença de Crohn.

Doença de Crohn ou Retocolite: qual é mais frequente

Qual delas é mais frequente? Esse estudo muito interessante foi publicado recentemente na Revista de Gastroenterologia de 2018.

Foram avaliados 22.638 pacientes do Estado de São Paulo no período de 2012 a 2015. Observou-se que a Retocolite Ulcerativa estava presente em 53,83% desses pacientes e a Doença de Crohn em 46,16%. A diferença, então, não foi tão grande de uma doença para outra.

Também falando desse estudo, observou-se que a preponderância nas doenças inflamatórias intestinais estão no grupo feminino com 59,7% e no grupo masculino, corresponde a 40,3%. Assim, conclui-se que ela pode acometer tanto homens quanto mulheres, e acomete também, várias faixas etárias.

O principal é o diagnóstico, geralmente feito em torno dos 30 anos de idade. Mas vê que tem uma preponderância de casos em torno de 20 até 70 anos em relação ao mundo? A doença inflamatória intestinal é mais comum no hemisfério norte, Estados Unidos e Canadá.

Na Europa também um pouco, mas especialmente na América Latina, a incidência da doença inflamatória intestinal está aumentando muito. Há um estudo que mostra que, todos os dias, é feito um diagnóstico de doença inflamatória intestinal na América Latina. Ela está presente principalmente na raça branca, mas a incidência vem aumentando em negros.

O histórico familiar é um fator bem importante porque quando a pessoa tem algum familiar com doença inflamatória, especialmente quando é parente de primeiro grau, aumenta muito o risco de ter uma doença inflamatória intestinal também. Esse risco seria um aumento de 4 a 20 vezes e é mais comum na Doença de Crohn do que na Retocolite Ulcerativa. 

Lembrando que a doença inflamatória intestinal acomete vários genes e esse acometimento é importante porque ele vai guiar a manifestação da doença, especialmente quando a gente fala na questão da resposta às medicações e às manifestações extra intestinais também.

Observa-se que, além da predisposição genética, alguns fatores podem levar a um aparecimento da doença, como uso crônico de antiinflamatórios, anticoncepcionais orais, e o tabagismo também é um fator que aumenta o risco de doenças inflamatórias intestinais, especialmente a Doença de Crohn.

E quanto maior o nível socioeconômico, maior risco de doença inflamatória intestinal. Tem um estudo que mostrou que o tabagismo seria um fator protetor para Retocolite Ulcerativa, mas isso é muito indagado porque, na verdade, o cigarro aumenta o processo inflamatório do nosso organismo. Isso pode também predispor mais as doenças inflamatórias intestinais. Então fumar não é um fator protetor para Retocolite Ulcerativa.

Por que acontece a doença inflamatória intestinal?

Geralmente a pessoa tem uma predisposição genética e alguns fatores do meio, tanto no seu estilo de vida quanto a alguns fatores ambientais que podem desencadear a doença. Quando dizemos fatores desencadeadores podemos citar os antibióticos, os anticoncepcionais, processos infecciosos, alergias alimentares, algumas alterações hormonais, como a menopausa, gravidez e o estresse, que é tão relevante nos dias de hoje.

Esses fatores levam a um aumento do processo inflamatório intestinal e esse aumento do processo inflamatório intestinal leva a uma resposta sistêmica do organismo, levando a uma doença autoimune.

Já falamos sobre alguns conceitos básicos em relação ao trato digestivo do intestino, falamos um pouco sobre inflamação, de como ocorre as doenças inflamatórias intestinais e agora vamos falar sobre as manifestações extra intestinais. 

Manifestações dermatológicas nas DII – manifestações extra intestinais

Elas geralmente ocorrem entre 24 e 65% dos casos, sendo mais relevantes na Doença de Crohn do que na Retocolite Ulcerativa. Nos estudos, 40% dos pacientes que têm doença inflamatória intestinal podem ter alguma manifestação extra intestinal, e essas manifestações podem ser na pele, nos olhos, nas articulações, na região da boca e podem também estar presentes nos rins e no fígado. Então, uma doença sistêmica não vai ficar muitas vezes só restrita ao intestino. 

Quanto à pele, tem um estudo que é muito bacana e foi uma tese de mestrado publicada em 2007 numa Revista de Proctologia que esse autor, o Mota, fez um estudo retrospectivo dos pacientes do ambulatório da USP em São Paulo de 1984 a 2004 e observou 1.000 pacientes com doenças inflamatórias intestinais.

Destes 1.000 pacientes, 6,8% tinham alguma manifestação cutânea relacionada ou não com a atividade da doença. Qual a relação da pele e do intestino? Muito se fala da importância do intestino estar saudável para evitar algumas manifestações na pele.

Isso fala a favor da doença inflamatória intestinal, mas também tem uma corrente bem importante hoje em dia, falando das inflamações intestinais, alergias alimentares, que predispõem mais a questão das espinhas.

Mas às vezes, nas doenças inflamatórias intestinais, observa-se que o processo inflamatório na região do intestino libera substâncias inflamatórias que vão para a corrente sanguínea e também vão causar inflamação na pele. Essas manifestações cutâneas, podem ser classificadas como:

  • recorrentes, que são aquelas manifestações que ocorrem com uma certa frequência;
  • reativas, que estão muito relacionadas com a atividade da doença;
  • autoimunes, que é um processo de inflamação sistêmico e pode predispor a outras doenças inflamatórias, inclusive na pele;
  • cutâneas, que são secundárias, que estam relacionadas tanto com a deficiência de alguns nutrientes, como zinco e ferro, como também com o tratamento, especialmente ao uso de imunobiológicos, uso de corticóides ou alguns outros imunossupressores.

Quantas manifestações recorrentes podemos citar? Na verdade, as manifestações orais que seriam as aftas, que muitas vezes são extremamente dolorosas, que às vezes evoluem para lesões maiores, as úlceras e também, além das aftas e das úlceras orais, podemos falar sobre aquele triangular que são rachaduras nos cantos da boca que são bastante incômodas. Essas manifestações orais são mais frequentes na Doença de Crohn do que na Retocolite Ulcerativa. 

Outras manifestações que podem ser bastante recorrentes, são as fístulas na região perianal e fissuras e abscessos. São lesões que causam grande desconforto ao paciente, levando a uma dor abdominal, muitas vezes com sangramento evidente nas fezes, e podem estar relacionados também com a constipação, com intestino trancado.

As fissuras seriam as aberturas nas rachaduras na região do ânus. As fístulas são, geralmente, lesões mais profundas, que seria a comunicação do reto com a questão da pele; e os abscessos são quando não há comunicação, aquela infecção mais profunda do tecido com acumulação de bactérias. Essas manifestações são mais comuns na Doença de Crohn do que na Retocolite Ulcerativa.

Em relação às manifestações cutâneas, são reativas, que estão muito associadas à doença, à atividade da doença, aí podemos citar o eritema nodoso, que, como o nome diz, eritema – vermelho, são nódulos avermelhados ou até arroxeados, que ocorrem principalmente nas pernas, mas podem também ocorrer nos braços.

Geralmente, eles ocorrem nas 2 pernas, um aspecto bem simétrico de uma perna para outra. São lesões bastante dolorosas e ocorre por inflamação profunda do tecido gorduroso. São mais comuns em mulheres do que em homens.

Foi observada uma incidência em torno de 3,6% nos pacientes com doença inflamatória intestinal e estariam relacionados com a atividade da doença, mas também podem ser relacionados com o uso de medicações como anticoncepcionais, uso de anti-inflamatórios, podem estar relacionados com o tratamento, com uso de alguns medicamentos para tratar a doença inflamatória intestinal.

O que é alteração reativa que às vezes assusta bastante?

É uma lesão muito feia na pele, que chamamos de pioderma gangrenoso, que pode estar relacionada com a atividade da doença. É uma alteração cutânea reativa, mais comum, que ocorre em 3% dos pacientes.

São alterações mais severas, debilitantes, porque são úlceras, são lesões de pele grandes que tem uma borda bem característica, borda bem marcada, tem um tecido que é bastante sanguinolento, que tem aspecto de pus, que sangra muito facilmente.

Ocorre mais em mulheres do que em homens. É mais comum na Doença de Crohn e são lesões que estão relacionadas em locais que se traumatiza com maior frequência, como na região de tórax, na região das pernas, na região perianal e tem um fenômeno que é muito característico que chamamos de patergia.

É o aparecimento de novas lesões após um trauma em algum local do corpo. E esse fenômeno de patergia é um fenômeno que é muito importante, porque quando o paciente está com pioderma gangrenoso, evitamos cirurgia, porque às vezes, no local da cirurgia, pode vir a aparecer uma lesão de pioderma.

Falando sobre outras manifestações cutâneas, podemos falar sobre as doenças autoimunes de pele e a psoríase é aquela que tem uma maior incidência nos pacientes com doença inflamatória intestinal.

Geralmente, são placas avermelhadas, descamativas; às vezes, algumas placas, algumas lesões de pele mais espessas, elas acometem principalmente áreas de atrito e áreas de trauma, como joelhos e cotovelo. Podem ocorrer no couro cabeludo, podem ter manifestações nas unhas, que muitas vezes lembram até micoses, e podem também estar associadas com dores articulares e inflamações. 

Outra manifestação autoimune da pele é o vitiligo, que na verdade é o aparecimento de manchas brancas na pele pelo processo inflamatório da pele e ocorre uma destruição do pigmento, e o aparecimento dessas lesões ocorrem principalmente ao redor da boca, nas mãos e pés, regiões mais predispostas a trauma e também na região genital.

Agora falando um pouco das manifestações cutâneas secundárias à doença. Quando falamos de secundária, podemos falar sobre as deficiências de nutrientes como a deficiência de zinco e a deficiência de ferro, que estão relacionados com aquele processo inflamatório intestinal que dificulta a absorção desses nutrientes. 

Na deficiência de zinco, chamamos de acrodermatite enteropática. A principal manifestação são lesões de pele, especialmente lesões avermelhadas, que descamam, que muitas vezes lembram psoríase, e estão presentes ao redor da boca, na região das mãos, na região dos pés, na região perianal.

Na verdade, muitas vezes pode ser dissociada com alguns distúrbios emocionais com alguma irritabilidade, então o diagnóstico não é só para as lesões cutâneas. Muitas vezes pedimos um exame de sangue e também avaliação do quadro clínico de alteração do sistema nervoso. 

Em relação à última manifestação secundária, bastante comum, a deficiência de ferro, que pode levar à anemia e à queda de cabelo, pode levar também à rachadura nos cantinhos da boca. Isso ocorre pela má absorção do ferro, em decorrência de um sangramento intestinal crônico, que nem sempre é visível nas fezes.

Essa manifestação de deficiência de ferro também pode ser observada com alterações de unha. Tem uma unha que chamamos de unha em colher, que seria essa depressão na lâmina ungueal chamada taxa de coiloníquia e é uma manifestação cutânea secundária muito comum.

Então temos que cuidar bastante, observar como é que está o exame de sangue, porque percebemos que os pacientes com doença inflamatória intestinal, com muita frequência, tem essa deficiência de ferro e o que eu mais vejo no consultório é a queda de cabelo, que é preponderante.

Outra manifestação cutânea secundária, que é bem interessante, são os efeitos dos medicamentos. Geralmente para tratamento de uma doença inflamatória intestinal, muitas vezes utiliza-se corticóides, imunossupressores e imunobiológicos.

Eles podem baixar a imunidade do organismo, podem predispor o aparecimento de herpes, podem aparecer alergias cutâneas, podem levar à pele seca, à queda de cabelos, e à descamação das mãos e dos pés, que chamamos de reação paradoxal para os imunobiológicos.

Fique atento aos sinais e sintomas das DIIs. Cuide da sua saúde. Percebeu sintomas e comportamento diferente no seu corpo? Procure um médico! Quanto mais cedo for avaliado e diagnosticado com acesso ao tratamento, mais cedo a recuperação.