Doença Inflamatória Intestinal e Gestação
As Doenças Inflamatórias Intestinais (DII) acometem especialmente indivíduos em sua fase reprodutiva. Por esse motivo, seria de se esperar que mulheres com Doença de Crohn (DC) ou com Retocolite Ulcerativa (RCU) manifestem em algum momento o desejo de engravidar.
Importante ressaltar que mantenhamos a DII em remissão, ou seja, sem atividade inflamatória durante a gestação, não somente a remissão clinica (melhora de sintomas), mas também de marcadores inflamatórios (exames laboratoriais como PCR e calprotectina fecal), endoscópica, radiológica e sempre que possível histológica (avaliados por meio das biópsias de fragmentos retirados por meio de colonoscopias, por exemplo). E qual a importância disso? Sabemos que a atividade inflamatória da DII durante a gestação pode levar a riscos não apenas para a mãe, como aumento de eventos tromboembólicos, bem como a necessidade de uma cesariana. Mas também para o filho, como a ocorrência de aborto espontâneo, natimorto, parto prematuro ou mesmo do recém nascido ter baixo peso ao nascimento ou que seja pequeno para a idade gestacional. Logo, se a mãe estiver bem, ou seja, com a doença controlada, possivelmente terá uma gestação tranquila e com bebê saudável, reduzindo, dessa forma, o risco de complicações.
A fertilidade, que é a capacidade de concepção pode estar comprometida em casos especiais de pacientes com DII, como por exemplo, naquelas submetidas a cirurgias como a colectomia com confecção de bolsa, ou em homens que usam medicamentos como a sulfassalazina, que neste caso pode promover uma infertilidade devido a redução de espermatozoides, mas de forma reversível, pois após poucos meses de suspensão do medicamento pode normalizar a produção dos espermatozoides.
A escolha do tipo de parto, se cesáreo ou normal, também pode ser motivo de preocupação e habitualmente fica a critério do obstetra. No entanto, em casos de pacientes com DC perianal ativa e também naquelas que têm bolsa ileoanal, dá-se preferência a realização de cesariana programada. Para pacientes com doença anal ativa para se evitar a incontinência fecal pode ser indicada a cesária. A episiotomia que é a incisão realizada entre a vagina e o ânus, muitas vezes realizada a fim de que a passagem do bebê não leve a dano nos músculos do ânus, pode não cicatrizar em pacientes com DC perianal em atividade, por isso, importante avaliar sempre os riscos e benefícios para a realização do parto, levando-se em conta a localização da doença, o grau de atividade e a gravidade da doença.
Com relação ao tratamento da DII durante a gestação podemos destacar que a maioria das drogas é considerada segura. E novamente relembro que a atividade inflamatória da doença pode levar a mais riscos para a mãe e o feto do que o próprio tratamento. Uma outra importante informação é a de que qualquer terapia de DII na gestação seja abordada pelo especialista em DII e seus riscos discutidos de forma multidisciplinar com o obstetra e pediatra.
Existe uma organização governamental norte-americana – a Food and Drug Administration (FDA), responsável pela classificação das drogas de acordo com o risco que elas oferecem na gestação, portanto, conseguimos avaliar de forma mais segura a tomada de decisões no sentido de iniciar ou suspender algum medicamento no período gestacional.
É fundamental aconselharmos nossas pacientes logo no diagnóstico de DII, ou seja, mesmo antes de engravidarem, para que consigamos controlar melhor a doença, a mantendo em remissão. Da mesma forma, orientá-las a fim de que atualizem seu cartão de vacinação, cessem o fumo para aquelas que eventualmente ainda tenham tal prática, bem como outras medidas que levem a maior segurança no momento da gestação.
Os aminossalicilatos, sulfassalazina ou a mesalazina, são drogas seguras e podem ser continuadas durante toda a gestação, independente de sua apresentação, seja oral ou retal.
Os corticosteroides devem ser descontinuados se a paciente engravidar com a doença controlada, mas podem ser usados caso ocorram agudizações da doença, embora aumentem o risco de diabetes gestacional.
As tiopurinas, como a azatioprina, são medicamentos seguros para aquelas pacientes que já estavam em uso de azatioprina previamente a gravidez, portanto, podem ser continuadas durante esse período. Por outro lado, não se deve iniciar tratamento com tal droga no período gestacional, pois são drogas que demandam tempo para iniciar seu efeito e também devido ao risco de inflamação no pâncreas ou mesmo de alterações na medula óssea .
Os imunobiológicos são drogas seguras, porém, quando o tratamento é feito de forma combinada, deve-se analisar o risco beneficio, dando-se preferência a tratamento com medicamento único, sempre que possível. As mulheres que engravidam em tratamento com imunobiológicos do tipo Anti TNF, nesse caso, infliximabe (IFX) ou adalimumabe (ADA) devem ser orientadas, pois há uma exposição aos anticorpos pelos recém nascidos (RN), portanto, até os 6 meses de idade não devem ser imunizados com vacinas para vírus vivo atenuado, ou seja, as vacinas de rotavírus, BCG e pólio oral somente devem ser feitas a partir dos 6 meses de vida, isso porque a imunidade da criança pode não ter sido adequadamente desenvolvida. Como a transferência placentária ocorre do segundo para o terceiro trimestre de gestação, e o IFX e o ADA atravessam a barreira placentária, as precauções com os RN expostos a esses medicamentos sempre é primordial.
O certolizumabe, outro imunobiológico Anti TNF, diferentemente dos outros citados acima, não atravessa a barreira placentária, portanto, nos RN de pacientes em tratamento com certolizumabe, não há necessidade de suspender as vacinas com vírus vivo atenuado.
O imunobiológico ustequinumabe parece ser seguro para o uso durante a gestação. Estudos em animais não evidenciaram teratogenicidade. No entanto, a transferência placentária também ocorre, como no caso do IFX e do ADA, portanto, os mesmos cuidados com o RN devem ser tomados no que se refere as imunizações. O vedolizumabe da mesma forma parece ser seguro, entretanto, mostrou um discreto aumento da prematuridade.
Reconhecemos que há drogas contraindicadas na gravidez, como o metotrexato, pois está associado a anormalidades congênitas e deve ser suspenso de 3 a 6 meses antes da gestação.
E quem não gostaria de amamentar o seu filho? O aleitamento materno mostra um importante elo entre a mãe e o filho, protege a criança. Temos conhecimento de que o leite materno possui substâncias que influenciam no crescimento e desenvolvimento dos bebês, bem como influenciam na formação da microbiota intestinal (flora intestinal) das crianças. Por esse motivo, a amamentação deve ser sempre estimulada.
A maioria das drogas é segura durante o aleitamento, como os medicamentos aminossalicilatos, as tiopurinas e os corticosteroides. Os imunobiológicos anti TNF, embora sejam detectáveis no leite materno com níveis baixos, não levam a impacto negativo para as crianças durante a amamentação. Assim como o vedolizumabe e o ustequinumabe, que embora tenham escassos dados apresentados na literatura, parecem seguros. O metotrexato não é seguro devido sua expressão no leite materno, que eleva o risco de infecções para os RN amamentados por mães que fazem uso dele.
Ana Paula Hamer Sousa Clara
Membro do Conselho Científico da DII Brasil